Registra-se que as primeiras leis contra maus tratos aos animais surgiram em 1822, na Inglaterra, e que tinham como principal objetivo melhorar as relações entre seres humanos.
Isto porque acreditava-se que diminuindo ou contendo os maus tratos a animais, por consequência seria possível reduzir a violência entre as pessoas.
Assim, apesar de criadas tais leis, o sujeito a ser protegido não era o animal, mas sim, o ser humano. Este era o principal motivo para adoção desse tipo de norma.
O tempo passou e aos poucos começou-se a ver mudanças nos ordenamentos jurídicos, tanto no Brasil quanto em diversos outros países, agora com a perspectiva do animal sendo o principal sujeito merecedor de proteção e respeito.
Alguns países inclusive já consideram os animais como sujeitos de direitos, como é o caso da Suíça, Alemanha, Áustria, França e Nova Zelândia.
Para esses países, os animais são vistos como uma espécie “sui generis”, ou seja, possuem uma classificação especial, pois não podem ser considerados coisas e nem seres humanos.
A lógica de serem vistos como sujeitos de direitos é a de que os animais se aproximam muito mais dos seres humanos do que das coisas, já que têm capacidade de se organizar, de sentir, têm memória, diferentes níveis de inteligência etc.
No Brasil, apesar do Código Civil de 2002 ainda tratar o animal como “coisa” para efeitos jurídicos, temos diversas leis estaduais – como Rio Grande do Sul e Santa Catarina – e municipais já reconhecendo os animais como sujeitos de direito ou reconhecendo sua senciência.
Abordaremos, então, a mais recente lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, conhecida como Lei Sansão.
Criado pelo deputado federal Fred Costa, o Projeto de Lei 1.095/2019 tinha, por escopo inicial, cadeia para aqueles que praticassem maus tratos contra os animais em geral, isto é, visava-se um aumento de pena para esse tipo de crime já previsto em outras leis.
Por duas razões:
Travou-se, então, uma barreira na tramitação da lei, sendo inviável a aprovação para todos os animais.
Após muita conversa a respeito do tema, entenderam os deputados e senadores que somente chegariam em um consenso de viabilidade política se tal lei abrangesse somente referidas espécies (cães e gatos).
Apenas a título de curiosidade, conseguir a aprovação de uma lei para defesa de animais é tão complicado que existem projetos de lei tramitando no Congresso Nacional há 20 (vinte anos), ainda sem votação ou aprovação!
Conhecida como Lei Sansão (em homenagem a um cachorro que teve suas patinhas traseiras amputadas por um indivíduo em Minas Gerais) acrescentou um parágrafo no art. 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), que trata dos crimes ao meio ambiente.
O projeto de lei foi aprovado e, em 30 de setembro de 2020, a Lei nº 14.064/2020 entrou em vigor.
O art. 32, da Lei de Crimes Ambientais trata do crime de maus tratos contra os animais. Veja:
“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.”.
A Lei 14.064/20 incluiu o parágrafo 1º-A no referido artigo, trazendo a seguinte redação:
“Art. 32 (…)
1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.”.
Desta forma, o legislador trouxe um aumento significativo na punibilidade para quem pratica este crime (antes a pena mínima era de 03 meses e a máxima era de um ano, aumentando de 02 a 05 anos, respectivamente).
Além disso, a pena aplicada era de detenção e somava-se a ela a aplicação de multa. Agora, quem maltratar cães e gatos, além da reclusão, será condenado ao pagamento de multa e proibição de guarda.
No tocante à proibição da guarda, alguns doutrinadores e estudiosos do assunto já se manifestaram criticando a lacuna deixada pelo legislador pela falta de complementação do tempo dessa proibição de guarda.
Outra questão é se a guarda se refere ao animal que sofreu a violência ou a qualquer outro que esteja sob sua responsabilidade, ou até mesmo outro animal que o condenado possa vir a ter após o cumprimento de sua pena.
A penalidade foi aumentada justamente para que se evitasse a imposição de medidas despenalizadoras.
Com isso, a alteração da pena mínima para dois anos, evita o cabimento da suspensão condicional do processo*, bem como a suspensão condicional da pena.
Já a pena máxima que antes era de 01 ano, subiu para 05 anos. A razão desse aumento foi dificultar o arbitramento de fiança e permitir o cabimento de prisão preventiva, inclusive para o réu primário.
Destaca-se, também, que há possibilidade de transação penal quando a pena aplicada for de até 4 anos. De forma que se o réu for condenado a uma sentença de 04 anos e 01 dia, já não será concedido a ele tal benefício.
Outra nota importante é que, caso seja pego em flagrante, o réu poderá ter sua prisão preventiva decretada.
*suspensão condicional do processo: benefício do art. 89, da Lei 9099/95, (aplicáveis às penas iguais ou menores de 01 ano e em crimes de menor potencial ofensivo).
A detenção prevista no “caput” do art. 32 da lei de crimes ambientais é uma medida de restrição de liberdade pela qual o cumprimento inicial da pena só poderá ocorrer no regime aberto e no semiaberto, e jamais no regime fechado.
Com a mudança, adotou-se a reclusão, que é uma forma mais severa de punição, já que nela admite-se o início do cumprimento da pena no regime fechado, ou seja, se condenado, o réu poderá logo ser preso.
Vale lembrar que pode haver a prisão desde que não seja caso de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (como ocorre demasiadamente nos crimes de menor potencial ofensivo, referentes aos animais que não foram protegidos pela lei nova).
Quanto ao sujeito ativo, ou seja, quem pode cometer esse tipo de crime, é qualquer pessoa, tanto física quanto jurídica. Em sendo esta última a cometer os maus tratos aos animais, a pessoa física responsável também poderá ser responsabilizada.
Quanto ao sujeito passivo, ou seja, a vítima do crime, quem recebe a agressão, há duas correntes:
Quanto a este ponto, o Supremo Tribunal Federal já esclareceu que há nos animais uma noção de dignidade que decorre do pressuposto da senciência. Se eles são sujeitos de direitos, neste caso o são como vítimas.
Há, inclusive, a perda da guarda aplicada cumulativamente com a multa e com a aplicação da pena, que é um mecanismo de proteção ao bem jurídico penal, neste caso a vida, dignidade e bem estar dos animais.
Importante explicar a diferença entre cada uma das práticas criminosas descritas no caput do art. 32, da Lei 9605/98.
De uma maneira simples e resumida, podemos dizer que:
Cumpre ressaltar que outras normas também trazem conceitos e definições do que seriam maus tratos aos animais, senão vejamos:
Esse Decreto foi editado na época do regime militar, em que o Poder Executivo podia exercer algumas das funções do Poder Legislativo, como a de legislar. Por tal motivo, ele tem força de lei e se encontra em pleno vigor.
O seu art. 3º enumera diversas condutas consideradas como maus tratos aos animais. Vejamos algumas delas:
“Art. 3º Consideram-se maus tratos:
I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
III – obrigar animais a trabalhos excessívos ou superiores ás suas fôrças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo;
IV – golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em beneficio exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interêsse da ciência;
V – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária (...)”.
Essa Resolução foi editada em 26 de outubro de 2018, pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária.
Em seu artigo 2º, ela diferencia os maus tratos, a crueldade e o abuso aos animais. Vejamos:
“Art. 2º Para os fins desta Resolução, devem ser consideradas as seguintes definições:
(…)
II – maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;
III – crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais;
IV – abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual (…)”.
Um fato curioso e que vem ganhando cada vez mais força ao longo dos últimos anos é a utilização da temática dos animais como forma de promoção de campanhas eleitorais.
Não precisamos ir longe para notar o grande número de candidatos a vereadores que concorrerão às eleições de novembro deste ano de 2020, que prometem projetos e benefícios em prol da causa animal, caso sejam eleitos.
Isto vem ocorrendo devido ao estreitamento das relações de afeto com os pets, tendo em vista que cada vez mais nota-se em redes sociais e nas mídias a comoção das pessoas diante de maus-tratos aos bichinhos.
Justamente por esse fato, políticos e marqueteiros exploram e se aproveitam do fator emotivo dos eleitores para angariar votos, utilizando-se dessa causa.
Assim, se você se identifica com a proteção e bem estar dos animais, recomendamos fortemente que se faça uma pesquisa acerca do quanto aquele candidato realmente se compromete a ajudá-los.
Pesquise sua vida pretérita, seus projetos de lei, suas ideias. Faça uma busca de anos anteriores para não ser enganado(a) na hora do seu voto.
Por fim, e não menos importante, caso você presencie um caso de maus tratos não só contra cachorros e gatos, mas com qualquer animal, não hesite em fazer uma denúncia.
Muitos Estados possuem delegacias especializadas em animais, mas caso o seu Estado não possua, a denúncia pode ser feita em qualquer delegacia ou pelo número 190.
A Vigilância Sanitária é outro órgão apto a receber denúncias e a fiscalizar os locais onde possivelmente ocorrem crimes.
Além disso, há também o IBAMA e a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente como órgãos competentes para combater essa prática tão nefasta contra os animais.