Cancelamento de Eventos e a Lei 14.046/2020

Cancelamento de Eventos e a Lei 14.046/2020

A ONU definiu a doença causada pelo novo coronavírus como uma pandemia no dia 11.03.2020. Porém, desde o dia 30 de janeiro do mesmo ano o órgão já havia declarado que o surto do vírus constituía emergência de saúde pública de importância internacional.

No Brasil, a Lei 13.979, publicada no dia 06 de fevereiro de 2020, dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, como, por exemplo, o isolamento, a quarentena, restrição à locomoção, uso de máscaras, exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação, investigação epidemiológica, tratamentos médicos específicos e requisição de bens e serviços. 

Em virtude desse cenário fático inédito, o Congresso Nacional editou o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, reconhecendo a ocorrência do estado de calamidade pública até dia 31 de dezembro do mesmo ano, decreto este que deu ensejo a uma série de Leis e Medidas Provisórias para tratar sobre o tema do coronavírus e suas implicações em diversos setores da economia do país.

A LEI DO CANCELAMENTO DE EVENTOS

Em agosto de 2020 foi sancionada a Lei 14.046/2020, fruto conversão de uma dessas Medidas Provisórias, a MP nº 948/2020.

Tanto a MP como a Lei tinham como escopo o adiamento e o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e de cultura em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo referido Decreto Legislativo, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19. Pois bem.

Como fica essa situação nos dias atuais, considerando que a vigência do Decreto Legislativo nº 6/2020 foi até dia 31.12.2020 e a Lei 14.046/20 foi sancionada justamente por conta do estado de calamidade pública?

CANCELAMENTOS E ADIAMENTOS NA VIGÊNCIA DA MP 948

Como fica a situação dos serviços, reservas e eventos cancelados ou adiados no período da pandemia?

A MP 948/2020 produziu efeitos do dia 08.04.2020 a 23.08.2020, até ser convertida em lei. Sobre esta última trataremos em tópico específico.

Se o evento foi contratado em 2019, por exemplo, e o pedido de cancelamento foi efetuado entre os meses de abril e agosto de 2020, os prestadores de serviços ou as sociedades empresárias não estavam obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor desde que assegurassem:

  • (i) a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados;
  • (ii) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas empresas; ou
  • (iii) outro acordo a ser celebrado com o consumidor. Observe-se que havia a possibilidade expressa de celebração de novo acordo com o consumidor, além da remarcação do serviço/reserva/evento ou a disponibilização do valor pago em crédito. 


Somente se esgotadas as opções acima é que as empresas prestadoras do serviço ficariam obrigadas à devolução do valor – que ocorreria em até 12 meses após 31.12.2020 – sem nenhum tipo de penalidade para o consumidor, desde que a solicitação do cancelamento fosse feita no prazo de 90 dias a contar da publicação da MP, ou seja, após 08.04.2020.

CANCELAMENTOS E ADIAMENTOS NA VIGÊNCIA DA LEI 14.046/2020

Quando a MP 948/2020 foi convertida na Lei 14.046/2020, retirou-se de seu texto a opção de celebração de acordo novo entre empresa e consumidor.

Mas isso não significa que as partes não mais poderiam concordar em assinar novo contrato. Pelo contrário.

O NCPC fomentou a solução consensual dos conflitos (art. 3º, §2º, CPC). Não haveria razão, portanto, para que o legislador quisesse retirar intencionalmente essa possibilidade de resolução pacífica da lide pelas partes, já que isso resultaria em efeito inversamente oposto ao que se deseja, que é o desafogamento do Judiciário.

Assim, é possível observar dois cenários pós-Lei 14.046/2020:

  • Para os contratos cancelados ou adiados a partir de 1º de janeiro até 31 de dezembro de 2020, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não será obrigado(a) a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem:

I – a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou

II – a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas.

Exemplo: Maria contratou uma festa de formatura a ser realizada em 2020. Em virtude da pandemia, quis cancelar o evento. Nesse caso, se o reembolso não foi ofertado pela empresa, o evento deverá ser remarcado ou disponibilizado o crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos.

  • Para os contratos cancelados ou adiados a partir de 2021, a Lei nº 14.046/2020, em tese, não poderia ser aplicada, uma vez que não estaria mais produzindo efeitos, ou seja, a empresa contratada deveria fazer o reembolso do valor pago, caso fosse essa a vontade do consumidor, aplicando-se a multa pela rescisão contratual, caso existisse.


Exemplo: Pedro contratou um serviço de buffet para a festa de casamento que seria realizada em 03.03.2021. Em cumprimento às medidas sanitárias, o evento teve de ser cancelado. Neste caso, a lei, apesar de existir, perdeu seus efeitos, ou seja, enquanto não houver a prorrogação do decreto de estado de calamidade pública no Brasil, o contratante poderá exigir a devolução do valor pago, respeitando-se a multa aplicada no contrato. 

Perceba que, se o consumidor requerer o cancelamento de qualquer maneira, será possível a aplicação da cláusula penal do contrato, tanto se ocorrer em 2020 como em 2021. 

Da interpretação que se pode inferir da lei, o cancelamento ou o adiamento dos serviços deve partir do próprio prestador ou da sociedade empresária, caso em que nenhum custo adicional, taxa ou multa será imposta ao consumidor (art. 2º, caput e parágrafo 1º). 

Já se o pedido partir deste último, não aceitando as opções legais ofertadas pela empresa, a multa* contratual poderá ser aplicada, desde que em patamar proporcional e razoável. De forma que, assim, fica preservado o equilíbrio contratual entre as partes.

FIM DO DECRETO DE CALAMIDADE PÚBLICA E A EFICÁCIA DA LEI 14.046/2020

Nada obstante, é perfeitamente possível o entendimento de que a vigência da lei em comento não tenha se esgotado com o fim do Decreto Legislativo nº 6/2020.

Como dito, a Lei 14.046/20 vigorou enquanto estava vigente o decreto de estado de calamidade pública, ou seja, teoricamente a lei deveria perder seus efeitos no dia 31.12.2020.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de pedido de liminar feita na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6625, estendeu a vigência de dispositivos da Lei 13.979/2020 (aquela que trouxe as medidas as medidas para enfrentamento da pandemia que comentamos no início) até que o Congresso Nacional aprove outra que a revogue.

Assim, muito embora o aparato legal que sustentava a vigência da lei tenha cumprido seu ciclo de validade, pode-se entender que seus efeitos ainda se perpetuam no tempo.

Significa dizer que a lei ainda está em vigência e pode ser aplicada. De se lembrar que a decisão proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski é de natureza precária, isto é, ainda pode ser modificada, devendo passar pelo referendo do Plenário do órgão para que se torne definitiva.

Existem alguns projetos apresentados pelo Senado Federal para prorrogar até 30 de junho de 2021 o estado de calamidade pública no Brasil. Até a presente data, porém, os projetos aguardam aprovação.

*MULTA CONTRATUAL EM CASO DE CANCELAMENTO DO EVENTO PELO CONSUMIDOR

Agora vamos falar sobre a famosa multa contratual exigida pelas empresas, quando o consumidor solicita o cancelamento do evento contratado.

Por mais que a empresa exija uma multa contratual no cancelamento do evento, ela nunca poderá ser abusiva, ou seja, não pode ser desproporcional.

E como saber se o valor da multa é razoável ou não?

Não existe uma porcentagem específica de cobrança de multa para rescisão contratual, porém, ela deve ser proporcional e razoável, levando-se em conta a data em que solicitou o cancelamento. Assim, quanto mais próximo do evento, mais chances de a multa ser maior.

Isto porque deve-se considerar que a empresa provavelmente já teve gastos com seus fornecedores, pagamento de funcionários, além de ter reservado a data para o contratante que não mais irá fazer o evento, impossibilitando-a de fechar novo contrato por conta de tal reserva.

Mas atenção: Nem a lei e nem os tribunais aceitam multas abusivas ao consumidor. Não seria razoável se estipulá-la em 50% do valor do serviço, por exemplo, quando solicitado o cancelamento com muitos meses de antecedência. Dessa forma, evita-se o enriquecimento sem causa de uma das partes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, vale lembrar que, se o evento for realizado durante a pandemia, a empresa contratada deverá respeitar e seguir as recomendações e protocolos de saúde ainda vigentes, como por exemplo, a quantidade de pessoas no evento.

De modo que, caso o consumidor tenha contratado um evento com um número de pessoas superior ao permitido por essas recomendações do Ministério da Saúde, a empresa contratada deverá fazer a devolução do valor dos convidados que ultrapassarem esse limite permitido.

A empresa ou o prestador deve disponibilizar uma data em que o serviço seja realmente possível de ser realizado.

De nada adianta a remarcação de uma festa, por exemplo, em uma data em que o estado de calamidade ainda esteja imposto, visto que o consumidor não poderá usufruir de fato daquilo que foi contratado.

Veja aqui uma decisão recente neste sentido.

Recomendamos que as partes sempre busquem uma alternativa que as satisfaça mutuamente, considerando a situação econômica a qual todos estão vivenciando e suas consequências ao país, priorizando sempre o princípio da boa-fé.

Veja também: Perguntas e Resposta sobre a Lei do Cancelamento de Eventos.

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